Objetos e narrativas de tempos incertos…
Objetos do Exílio
Ao chegar a Amesterdão com 19 anos, Carlos Neves comprou este conjunto de jogos de Xadrez e Damas com o pouco dinheiro que tinha. Em Portugal pertencia a um cineclube onde jogava com outros entusiastas.
Não deixou que o exílio lhe tirasse esse prazer, e hoje guarda memórias nestas duas caixas.
Jornal “O Alarme”
Um dos exemplares do jornal “O Alarme” que integra o arquivo de Joaquim Saraiva
“O Alarme”, escrito e produzido em Grenoble entre os anos 1972 e fins de 1974 e, até fins de 1975, em Paris.
Foi um Jornal Popular que noticiava o que acontecia em Portugal e também nas comunidades portuguesas em França e na Europa. Vendido em toda a europa nos mercados e noutros Locais e distribuído clandestinamente em Portugal. Chegou a ter uma tiragem de 1.000 exemplares. O seu director foi Jean Paul Sartre.
Neste exemplar, datado de Fevereiro de 1973, denunciava-se o assassinato de Amílcar Cabral e a cumplicidade do governo português contra os movimentos de luta para a libertação das ex-colónias.
Em Agosto de 1973, um artigo do jornal “O Alarme” esclarece os leitores sobre a pílula. Através da rubrica “Um Grupo de Mulheres Escreve” utiliza-se o jornal para informar as mulheres portuguesas emigradas.
Em Outubro de 1973 a mesma rubrica continua a disseminar informação sobre métodos contraceptivos
A Importância da Música de Resistência
Foi a partir dos anos sessenta que a canção popular de resistência – canto de intervenção.- assumiu um papel artisticamente preponderante na luta contra o fascismo. Expressava a revolta, o medo e a opressão, denunciava e rejeitava o fascismo e a repressão, denunciava a exploração e a guerra colonial. Músicos como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, Fausto, Padre Fanhais ou Júlio Pereira, outros viram-se obrigados a sair de Portugal, José Mario Branco, Sérgio Godinho, Luís Cília e Tino Flores, vítimas do fascismo, perseguidos, sofrem uma censura rígida. Tinham o cárcere como destino” – A partir da coleção de Discos de Carlos Neves, preparámos uma pequena playlist de músicas de resistência que eram ouvidas dentro e fora do país, agitando um espirito revolucionário pelas canções que validam e enaltecem a liberdade de quem as ouve.
Em Malmö, é organizada uma festa “de trabalhadores, para trabalhadores” integrando para além das apresentações de teatro, concertos de Tino Flores e Os Camaradas. Este momento ficou documentado nestas cassetes que integram o arquivo pessoal de Joaquim Saraiva, membro da AEP61-74 e antigo exilado na Dinamarca.
Cassete com gravações de festa em Malmö, 1973.
Em 1973, três peças são produzidas pelo grupo do Teatro Operário em Paris.O massacre de Wiriamu e o descontentamento crescente contra as políticas fascistas em Portugal criam uma efervescência criativa por parte dos grupos de exilados portugueses que se organizavam fora de Portugal. Após árduo trabalho de falsificação de documentos, o grupo de teatro consegue realizar uma tournée por vários países da Europa.
Oiça a gravação no arquivo do Centro de Documentação 25 de Abril.
http://www.cd25a.uc.pt/media/Sons/CD245.mp3
Objetos do Exílio
Estes lençóis pertencem a Carlos Neves que nos diz que foram “requisitados” ao Hotel Hilton de Amesterdão: “Eles tinham muitos e eu, e muitos camaradas precisávamos. Dormíamos em tons de amarelo.”
Documentos do exílio
Este passaporte pertence a Joaquim Saraiva que se exilou na Dinamarca após tentativa de exílio na Suécia. Mostra-nos o percurso necessário ao exílio português e as dificuldades encontradas pelo caminho.
Saído de Portugal em 1970, Joaquim passou a “salto” por Vilar Formoso, tendo conseguido chegar até Paris onde um contacto lhe entregou um passaporte alterado para poder chegar até à Suécia, passando por Copenhaga.
Pela existência de um acordo entre países nórdicos que estabeleciam que o pedido de asilo teria de ser feito no país em que o exilado primeiro entrou, foi-lhe recusado o asilo na Suécia, tendo de o fazer na Dinamarca.
Desertar com Armas
“Desenhos originais de agitação e propaganda sobre a deserção publicados em vários jornais da imprensa clandestina. Era uma técnica muito simples de ilustração, habitualmente a tinta da china ou com marcador fino, preto sobre branco. Estas ilustrações eram depois fotografadas com um filme de “grão” reduzido e baixa sensibilidade – 25 ASA – para produzirem chapas fotográficas ortocromáticas (não sensíveis à luz vermelha o que permitia um trabalho de laboratório facilitado). Essas chapas destinavam-se a fazer impressões offset ou gravura.” Fernando Cardoso, ex-exilado em Paris.
Hélder Costa: “Não à guerra colonial”
“— Desertar? Tu estás doido? E se te apanham!
— Meu filho, não me dês esse desgosto.
O que vão dizer de ti! Que és um traidor, que és um cobarde que não defende a Pátria.
— Mãe, que conversa é essa? Esses bandidos não defendem Pátria nenhuma. Defendem os negócios e as terras que roubaram (…)
—Se desertares nunca mais te vejo.
— E se morrer na guerra?
— Deus há-de ajudar-te, há-de ouvir as minha rezas.
Ser refractário, tomar a decisão de ir para França ou outro país, mudar de vida e de horizontes, começou a ser a decisão dominante. Que rapidamente alastrou em todas as classes sociais quando o desenrolar da guerra provocou a mágoa e o luto em milhares de famílias, devido à morte ou incapacidade física e psicológica nos seus entes mais queridos.
— Está decidido, vamos embora. Já́ lá estão muitos que nos podem ajudar. E aos nossos filhos não há-de acontecer a desgraça de morrerem na guerra e os pais ficarem ao abandono”
Esse movimento de repúdio e de refúgio noutras terras atingiu cifras astronómicas: cerca de 3 milhões de portugueses espalhados por toda a Europa e, só em Paris, havia mais de 1 milhão, o que a transformava na 2a cidade portuguesa a seguir a Lisboa.Deste número de emigrantes, cerca de 100 000 seriam desertores e refractários.” (AA.VV., 2016, Exílios. Testemunhos de exilados e desertores portugueses na Europa (1961/1974), vol .1, Lisboa: AEP61-74, p.26)”
Materiais de protesto
Cartazes anti-coloniais produzidos na Holanda por Manuel Dias “Capote” no início da década de 1970 para uma ação de apoio aos refugiados portugueses. Integram o arquivo de Rui Mota, ex-exilado em Amsterdão e membro da Aep61-74 Associação de Exilados Políticos PortuguesesApesar destes cartazes terem sido realizados ainda antes da constituição de um Comité de Desertores na Holanda, várias foram as manifestações anti-coloniais e anti-guerra que eram realizadas pelos diferentes comités e associações de apoio aos exilados fora de Portugal.
O Teatro
Fundado em Paris em 1970 por Hélder Costa, membro da Aep61-74 Associação de Exilados Políticos Portugueses e ex-exilado em Paris, o Teatro Operário funcionou com vários núcleos em França e na Europa, espalhando mensagens anti-guerra colonial com peças como “O Soldado”, e a revolta de “18 de Janeiro de 1934” na Marinha Grande.
Esta brochura da peça “Todos unidos na luta venceremos”, escrita e representada pela Associação Franco-Portuguesa de Grenoble reenvia-nos para o teatro como espaço de união e solidariedade de pessoas que procuravam laços de familiaridade fora do seu país, assim como para formatos de protesto e ação conjunta.
Documentos do Exílio
Não só o “salto” para fora de Portugal era um momento arriscado para aqueles que escolheram o caminho do exílio, também o era por vezes o regresso. Este bilhete de identidade francês, pertence a Fernando Cardoso, membro da Aep61-74 Associação de Exilados Políticos Portugueses e ex-exilado em França. Falsificado em 1974 para entrada em Portugal, podemos ler nele o nome de Jean Henri Almeras, nascido em Herault, França
Comités de Desertores
A criação de comités de Desertores e Refugiados em vários países da Europa foi fundamental para o desenvolvimento de uma luta anti-fascista e anti-colonial fora do país, e de uma pressão face aos direitos de trabalhadores, exilados e desertores nestes novos países de acolhimento. (in AA.VV., 2016, Exílios. Testemunhos de exilados e desertores portugueses na Europa (1961/1974), vol .1, Lisboa: AEP61-74, p. 92)
Documentos do Exílio
Com Cartões Civitas Academica, falsificaram-se anos lectivos para se conseguir a Carte d’identité International Étudiant” – lembra Carlos Neves, antigo exilado Português na Holanda e membro da Aep61-74 Associação de Exilados Políticos Portugueses sobre este documento que guarda no seu arquivo. Igualmente em 1973, Joaquim Saraiva utilizava o mesmo tipo de documento para conseguir o Cartão Internacional de Estudante na Dinamarca. Estes documentos conferiam-lhes o estatuto de estudantes exilados.
Constituído em Aarhus, em 1972, o Comité de Desertores Portugueses na Dinamarca, participava na luta antifascista e anticolonial a partir deste país, através de boletins (Insurreição) e folhas informativas onde publicava notícias sobre as guerras anticoloniais em África e os movimentos antifascistas em Portugal. O ativismo de exilados e desertores foi fundamental para o desenvolvimento destas lutas fora de Portugal.
Neste cartaz, que integra a coleção de Joaquim Saraiva, antigo exilado em Aarhus, Dinamarca, uma manifestação de apoio às lutas de independência em África é anunciada em Copenhaga.
Comités de protesto anti-colonial
Criado na Holanda em 1961 por figuras como Sietse Borsga e Trineke Weijdema, o “Angola Comité” focou-se nas lutas de libertação das ex-colónias portuguesas em África, tendo sido também o principal apoio na mobilização e organização de um futuro Comité de Refugiados Portugueses na Holanda, constituído em 1972.
“O meu primeiro contacto com o Comité Angola data de 1967, alguns meses após ter chegado à Holanda (Novembro de 1966). À época, viviam ainda poucos portugueses em Amesterdão e as relações pessoais estavam reduzidas a dois ou três amigos de longa data, que saíram de Portugal pelas mesmas razões, a recusa da guerra colonial” – relembra Rui Mota, ex-exilado na Holanda e membro da AEP61-74.
Locais do exílio
Em Paris, no n.º 15 da Rue du Moulinet, situava-se uma casa que durante a década de 70 acolheu vários exilados, desertores e refratários portugueses. Fernando Cardoso, ex-exilado em Paris e membro da AEP61-74 relembra: “Casa abrigo, casa comunidade, casa solidária, casa comité. Nos anos 70 (do século passado), muitos desertores, exilados políticos ou gente contra a guerra colonial, passaram e/ou ficaram algum tempo nesta casa. O nº.15, propriedade da amiga Thérèse, uma mulher solidária com a causa dos portugueses, era uma vivenda com uma pequeníssima e secreta divisão térrea, uma bela cozinha e dois quartos no primeiro andar e, em cima, uma casa de banho e uma ampla divisão com varanda. O centro da casa era a cozinha com uma grande mesa familiar encimada por um cesto de fruta preso com um cordel na escada de acesso ao andar de cima. Debaixo dessa escada uma cama acolhia quem não estava programado, gente do turno da noite ou um caso de lotação esgotada”. In AA.VV., 2016, Exílios. Testemunhos de exilados e desertores portugueses na Europa (1961/1974), vol .1, Lisboa: AEP61-74, p. 69).